segunda-feira, 13 de abril de 2009

Programa "Fátima" passa informações incorrectas sobre Amamentação II

Há umas semanas dei-vos conta de uma peça exibida no programa "Fátima", onde foram transmitidas informações incorrectas sobre Aleitamento Materno.

Na sequência, enviei um e-mail para a SIC, comentando a peça, bem como os comentários e informações pouco correctas que foram transmitidas.

Esse e-mail foi enviado no dia 13 de Março (faz hoje um mês) e até há data recebi apenas uma mensagem de reencaminhamento para o e-mail específico do programa.
Em relação aos comentários que fiz à peça , nem sequer um "lamentamos"...

Eu não fui a única mãe a ficar indignada com o que viu/ouviu e, tal como eu, várias outras mães e conselheiras em Aleitamento Materno enviaram os seus comentários.
Tal como eu, nenhuma recebeu qualquer resposta até agora.

Parece-me que este é um tema demasiado importante para caír no esquecimento.
Há muita gente a lutar diariamente para que a informação correcta chegue ao maior número possível de mães para depois um programa de vastas audiências lançar com uma inegável facilidade informações incorrectas e desactualizadas que atingem numa questão de poucos minutos um número enorme de mães lactantes, com consequências... que seguramente não serão as mais positivas.

Como tal, deixo-vos o conteúdo do e-mail que eu já enviei e mais uma vez apelo a que enviem também os vossos comentários para:

fatima@sic.pt

ou telefonem para a linha de atendimento da SIC através do 808202822

Podem ver o vídeo do programa AQUI.


Caros senhores,

Venho por este meio comentar a peça exibida no vosso programa "Fátima", do dia 06.03.2009, onde entrevistaram uma mãe que queria desmamar o filho de 7 anos.

Escrevo como espectadora e como mãe que amamenta mas também como Conselheira em Aleitamento Materno OMS (Organização Mundial de Saúde)/UNICEF.

Em primeiro lugar, penso que os comentários dos apresentadores ao longo da peça foram depreciativos e mostraram desconhecimento acerca das situações de amamentação prolongada. A própria médica contactada, apesar de ser uma ginecologista prestigiada, transmitiu informações incorrectas acerca das recomendações da Organização Mundial de Saúde no que respeita ao aleitamento materno.

Amamentar uma criança até aos 7 anos pode não ser comum na nossa sociedade mas seguramente será algo natural, antropologica e fisiologicamente. Tanto que actualmente em muitas sociedades é algo encarado com normalidade e não algo "insólito" ou "raro", e nunca uma "disfunção", como refere a apresentadora Merche Romero.

Perguntar se a criança tem um comportamento "normal" tentando associar algum problema psicológico ao acto de amamentar leva os espectadores a assumirem que a amamentação prolongada, pode, de facto, trazer consequências negativas à criança.
Não tenho qualquer conhecimento de estudos com base ciêntifica que provem que amamentar de forma prolongada possa trazer consequências negativas para a criança. Em relação às vantagens da amamentação prolongada, posso indicar-vos este artigo, que as resume além de enunciar todas as fontes e referências dos estudos ali resumidos.
Não quero com isto dizer que a mãe não esteja no seu direito de querer efectuar o desmame. As mães devem ser livres de optar pelo desmame em qualquer altura, se esse for o seu desejo.

A médica colaboradora do programa refere que "o ideal pela Organização Mundial de Saúde é [amamentar] até aos 6 meses. E não se deve ultrapassar os 2 anos. Mas 6 meses, em princípio, é suficiente"
A Organização Mundial de Saúde refere na Declaração de Innocenti "Para optimizar a saúde e a nutrição materno infantil, todas as mulheres devem estar capacitadas a praticar o aleitamento materno exclusivo e todas as crianças devem ser alimentadas exclusivamente com o leite materno, desde o nascimento até os primeiros 4 a 6 meses de vida. As crianças devem continuar a receber leite materno, quando começarem a receber alimentação adequada e apropriada, até aos dois anos de idade ou mais", o que me parece ter diferenças significativas com aquilo que a médica transmitiu.

Por outro lado, "prescrever" medicamentos via telefone através de um programa de televisão, ao que aparenta sem saber o historial clinico daquela mãe, não me parece uma atitude muito correcta, até porque, esta situação deveria poder ser ultrapassada sem recurso a medicação.
O desmame sem recurso a medicação, com algumas indicações básicas para evitar o engurgitamento, só poderia trazer eventuais problemas caso existisse alguma disfunção hormonal, que só poderia ser detectada mediante a realização prévia de análises. Mas a médica recomenda primeiro o uso de medicamentos e só se não funcionar, então fazer as análises...

O medicamento indicado, a bromocriptina, é um fármaco utilizado em doentes de parkinson, que começou a ser usado também como inibidor da produção de leite.
No entanto, algumas entidades já alertaram para os perigos do seu uso, como é o caso da Foods and drugs administration nos Estados Unidos. O que me leva, mais uma vez, a discordar do facto de ter sido aconselhado num programa de televisão, como primeira solução para o desmame. E até mesmo depois do apresentador Carlos Ribeiro perguntar se não havia alternativa (porque a senhora já tinha tomado este medicamento e se tinha queixado dos efeitos secundários) a médica continuou a insistir na toma do medicamento.

Por último, durante a peça, uma espectadora, que amamenta uma criança com 3 anos e meio (pela descrição que faz ao telefone pareceu-me tratar-se de uma situação normal em que tanto a criança como a mãe encaram a amamentação como algo saudável, positivo e satisfatório) telefona alarmada pelo que tem estado a ouvir no programa, duvidando da sua acção como mãe que continua a amamentar.
Só este telefonema já é um pequeno indicador daquilo que esta peça pode ter produzido a nível nacional, o que não me parece nada posivo ou correcto, pelo tipo de (des)informações que foram transmitidas. Mas pior, foi a senhora pedir um conselho sobre o que devia fazer, já que se questionava se não poderia estar a prejudicar a criança, ao que a apresentadora Merche Romero responde "Concerteza teve a possibilidade de ouvir a dra, e se seguir os mesmos conselhos, calculo que será mais fácil (...) trata-se de atitude e de uma pequena ajuda de comprimidos", fazendo supor que seria igualmente a melhor opção para aquele caso (ainda que aparentemente não existisse qualquer problema ali)!

Em suma, penso que foi dado um destaque a esta situação no sentido de chamar a atenção pelo "insólito", o que acaba por denegrir a imagem da amamentação no geral e em particular da amamentação prolongada.
Em relação às informações incorrectas, penso que o mais acertado a fazer seria que o programa as rectificasse, com igual destaque ao que foi dado nesta peça.

Com os meus melhores cumprimentos

Sofia Carvalho

2 comentários:

APPM disse...

Olá, Sofia!

Gostei muito da tua carta, muito completa e esclarecedora, eu fiquei muito triste com o programa e fui uma das mães/conselheiras a reclamar, mas até agora ainda não recebi nenhuma resposta... Acho que temos de insistir por outros meios! Estamos a pensar enviar a informação para outra canal concorrente, mas alguém terá de nos ouvir e rectificar as informações incorrectas que foram dadas nesse programa...

Jocas e continuação de um excelente trabalho!

Sofia Guerra Carvalho disse...

Olá Patrícia!

Concordo e junto-me a vocês para o que for preciso. Já bastam as mães que recebem informações desactualizadas de profissionais com poucos conhecimentos sobre aleitamento materno, dentro de consultórios, à "porta fechada"... Em público não o podemos admitir!

Bjs

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