«As mulheres não podem ficar prisioneiras do seu projecto de parto». A frase pertence ao obstetra Michel Odent e foi proferida esta manhã, durante o primeiro dia do Congresso Internacional «Humanização do Nascimento – Caminhos e Escolhas», que decorre até sábado no Porto, numa organização da HumPar – Associação Portuguesa pela Humanização do Parto.
Para o reconhecido pesquisador e divulgador da fisiologia que envolve o nascimento – e uma das grandes figuras ligadas ao conceito de parto na água – um bom número de mulheres que decide fazer nascer os filhos com recurso a banheiras de parto «traça projectos que, perante a realidade das circunstâncias, se mostram pouco praticáveis ou mesmo impraticáveis».
Ora, defende Michel Odent, «é importante que as grávidas percebam que, por si só, o parto na água não pode ser considerado como o ‘remédio’ providencial que evitará a dor e proporcionará um nascimento ‘ideal’». Antes, acrescenta «tem de fazer parte de um processo mais abrangente em que a natural dor fisiológica é gerida e atenuada através de um sistema de protecção fisiológica.»
Esse sistema implica que as mulheres possam atravessar toda «a cadeia de eventos que constitui o parto», incluindo a dor mas também o «cocktail natural» de ocitocina e endorfinas que «atenua temporariamente as capacidades cerebrais para que as mensagens dolorosas não cheguem com a intensidade habitual ao córtex e sejam, por isso mesmo, mais facilmente trabalhadas».
Michel Odent não hesita em dizer que «quando o processo é deixado seguir, ocorre um certo grau de amnésia e mesmo consciência alterada que permite à mulher ficar indiferente a tudo o que a rodeia, menos à tarefa que tem em mãos: fazer nascer o seu bebé.» O problema, refere «é que parece haver cada vez menos casos em que as mulheres são deixadas chegar a esse estado alterado de consciência». É aí, remata, que «ainda há um grande caminho a percorrer» para dar garantias «da privacidade, silêncio e intervenção mínima de terceiros que são essenciais no parto.»
Para Odent o «guarda-chuva fisiológico» de cada mulher é o centro da gestão da dor e a procura da banheira de parto uma «parte dessa gestão». É por isso que, defende, a entrada da grávida para dentro de água terá de ser guardada até a fase de dilatação estar bastante adiantada. «Se for necessário enganar uma grávida desejosa de entrar na banheira, mas que ainda não se encontre em trabalho de parto activo, então engane-se! Diga-se que ainda não tem água suficiente, que a água está quente, qualquer coisa, mas evite-se a entrada prematura dentro de água.»
Isto porque «o período óptimo de utilização da banheira são as duas horas que se seguem à altura em que a dilatação está a meio e em que o meio aquático é altamente efectivo no alívio da dor e no relaxamento corporal e leva, na esmagadora maioria dos casos, ao período expulsivo». Se tal não acontece, adverte Michel Odent, «é então momento de fazer uma análise do que está a suceder e partir para outro tipo de alternativas, se for caso disso». Por isso «são de evitar os planos de parto demasiadamente rígidos, o que inclui, naturalmente, a insistência do uso de uma banheira, ou de outro qualquer método, sejam quais forem as circunstâncias.»
Indução, epidural, cesariana?
O primeiro dia de trabalhos do congresso da HumPar ficou marcado por várias abordagens às circunstâncias do nascimento nas sociedades de tipo ocidental. Ao obstetra espanhol Emílio Santos Leal coube abordar o «efeito dominó» existente entre a indução do parto, a utilização de epidural e a realização de cesarianas. E se o vasto auditório do evento – composto maioritariamente por profissionais de saúde e doulas – não ficou surpreendido entre a relação causa efeito entre a indução e o uso da epidural, já o mesmo não sucedeu quando Emílio Santos Leal afirmou, baseado numa recolha estatística de larga escala realizada em vários países, não existir essa mesma ligação directa entre a indução e a realização de cesarianas. A mesma ponte sólida volta a existir entre a monitorização fetal contínua, os partos instrumentalizados e as cesarianas.
Pouco entusiasta da monitorização em permanência, e reportando-se às taxas registadas nos hospitais de Madrid, Emílio Leal defende que «se esse procedimento fosse abandonado os actuais 25 por cento de cesarianas baixariam para 15 por cento e os 15 por cento de partos instrumentalizados poderiam cifrar-se em 13 por cento. Nos partos de baixo risco «está provado que a monitorização contínua não ajuda a salvar vidas. Pelo contrário, leva as equipas a refugiarem-se em intervenções de larga escala que não são benéficas nem para a mãe nem para o bebé».
O modelo de atendimento por parteiras, as questões ligadas ao uso generalizado das episiotomias e a realidade dos partos da água no Reino Unido foram os temas que completaram o primeiro painel no congresso, com intervenções a cargo, respectivamente, da parteira holandesa Mary Zwart (radicada em Portugal), do enfermeiro obstetra António Ferreira e da parteira britânica Dianne Garland.
Texto: Elsa Páscoa
12 Fevereiro 2009, in revista Pais & Filhos
Para o reconhecido pesquisador e divulgador da fisiologia que envolve o nascimento – e uma das grandes figuras ligadas ao conceito de parto na água – um bom número de mulheres que decide fazer nascer os filhos com recurso a banheiras de parto «traça projectos que, perante a realidade das circunstâncias, se mostram pouco praticáveis ou mesmo impraticáveis».
Ora, defende Michel Odent, «é importante que as grávidas percebam que, por si só, o parto na água não pode ser considerado como o ‘remédio’ providencial que evitará a dor e proporcionará um nascimento ‘ideal’». Antes, acrescenta «tem de fazer parte de um processo mais abrangente em que a natural dor fisiológica é gerida e atenuada através de um sistema de protecção fisiológica.»
Esse sistema implica que as mulheres possam atravessar toda «a cadeia de eventos que constitui o parto», incluindo a dor mas também o «cocktail natural» de ocitocina e endorfinas que «atenua temporariamente as capacidades cerebrais para que as mensagens dolorosas não cheguem com a intensidade habitual ao córtex e sejam, por isso mesmo, mais facilmente trabalhadas».
Michel Odent não hesita em dizer que «quando o processo é deixado seguir, ocorre um certo grau de amnésia e mesmo consciência alterada que permite à mulher ficar indiferente a tudo o que a rodeia, menos à tarefa que tem em mãos: fazer nascer o seu bebé.» O problema, refere «é que parece haver cada vez menos casos em que as mulheres são deixadas chegar a esse estado alterado de consciência». É aí, remata, que «ainda há um grande caminho a percorrer» para dar garantias «da privacidade, silêncio e intervenção mínima de terceiros que são essenciais no parto.»
Para Odent o «guarda-chuva fisiológico» de cada mulher é o centro da gestão da dor e a procura da banheira de parto uma «parte dessa gestão». É por isso que, defende, a entrada da grávida para dentro de água terá de ser guardada até a fase de dilatação estar bastante adiantada. «Se for necessário enganar uma grávida desejosa de entrar na banheira, mas que ainda não se encontre em trabalho de parto activo, então engane-se! Diga-se que ainda não tem água suficiente, que a água está quente, qualquer coisa, mas evite-se a entrada prematura dentro de água.»
Isto porque «o período óptimo de utilização da banheira são as duas horas que se seguem à altura em que a dilatação está a meio e em que o meio aquático é altamente efectivo no alívio da dor e no relaxamento corporal e leva, na esmagadora maioria dos casos, ao período expulsivo». Se tal não acontece, adverte Michel Odent, «é então momento de fazer uma análise do que está a suceder e partir para outro tipo de alternativas, se for caso disso». Por isso «são de evitar os planos de parto demasiadamente rígidos, o que inclui, naturalmente, a insistência do uso de uma banheira, ou de outro qualquer método, sejam quais forem as circunstâncias.»
Indução, epidural, cesariana?
O primeiro dia de trabalhos do congresso da HumPar ficou marcado por várias abordagens às circunstâncias do nascimento nas sociedades de tipo ocidental. Ao obstetra espanhol Emílio Santos Leal coube abordar o «efeito dominó» existente entre a indução do parto, a utilização de epidural e a realização de cesarianas. E se o vasto auditório do evento – composto maioritariamente por profissionais de saúde e doulas – não ficou surpreendido entre a relação causa efeito entre a indução e o uso da epidural, já o mesmo não sucedeu quando Emílio Santos Leal afirmou, baseado numa recolha estatística de larga escala realizada em vários países, não existir essa mesma ligação directa entre a indução e a realização de cesarianas. A mesma ponte sólida volta a existir entre a monitorização fetal contínua, os partos instrumentalizados e as cesarianas.
Pouco entusiasta da monitorização em permanência, e reportando-se às taxas registadas nos hospitais de Madrid, Emílio Leal defende que «se esse procedimento fosse abandonado os actuais 25 por cento de cesarianas baixariam para 15 por cento e os 15 por cento de partos instrumentalizados poderiam cifrar-se em 13 por cento. Nos partos de baixo risco «está provado que a monitorização contínua não ajuda a salvar vidas. Pelo contrário, leva as equipas a refugiarem-se em intervenções de larga escala que não são benéficas nem para a mãe nem para o bebé».
O modelo de atendimento por parteiras, as questões ligadas ao uso generalizado das episiotomias e a realidade dos partos da água no Reino Unido foram os temas que completaram o primeiro painel no congresso, com intervenções a cargo, respectivamente, da parteira holandesa Mary Zwart (radicada em Portugal), do enfermeiro obstetra António Ferreira e da parteira britânica Dianne Garland.
Texto: Elsa Páscoa
12 Fevereiro 2009, in revista Pais & Filhos
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