segunda-feira, 2 de janeiro de 2012

Entrevista a Adelaide de Sousa - Amamentação, vivência e opiniões


Adelaide de Sousa, apresentadora e actriz, é das poucas figuras públicas que, em Portugal, assume publicamente a sua opção de amamentar e as suas opiniões sobre o assunto. Tem estado emocionalmente ligada à SOS Amamentação e à La Leche League, e ainda à Mamar ao Peito, desde de que fez dois programas no antigo Mundo das Mulheres (sobre amamentação e amamentação prolongada), onde se discutiam mitos e verdades sobre a amamentação. Diz ter ficado consciente de que há muito a fazer para ajudar a esclarecer as pessoas acerca do assunto.
Tem 42 anos e um filho, Kyle, de 28 meses. Foi amamentada até aos 5 anos.
A entrevista é da autoria de Catarina Santos, mãe, psicóloga e blogger. 
Catarina Santos (CS) - Tens um filho com 28 meses, o Kyle. Como tem sido a tua experiência de amamentação? 


Adelaide de Sousa (AD) – Tem sido como eu sempre idealizei, depois de um arranque um pouco atribulado, por não estar à espera de ter tanta dificuldade aquando da subida do leite. No hospital dos SAMS tive uma experiência mista - conforme o enfermeiro que estava de serviço, tinha recomendações diferentes: para mudar de maminha, para fazer intervalos de no mínimo 2/3 horas, para agarrar na cabeça do bebé a fim de o ajudar a chegar ao mamilo... tudo errado. Mas depois entrava outro e dizia que era a pedido, e para massajar as maminhas antes de dar de mamar para combater o ingurgitamento, para levar o bebé ao peito e não o peito ao bebé... tudo certo. Depois de muito choro, aprendi a ter calma, respirar fundo e ter fé que o meu ideal iria cumprir-se. Agora, tudo calmo - é rotina, é prazer, é às vezes também um sacrifício (à noite), mas estou a cumprir aquilo em que investi: uma melhor saúde para mim e para o meu filho. Já nem os olhares de surpresa quando dou de mamar a um miúdo grandito me fazem esmorecer, nem sinto já necessidade de justificar nada perante os outros. Se me chateiam muito, não discuto, digo-lhes que se informem melhor sobre o assunto.
CS - Tiveste algumas dificuldades no início? Contaste com a ajuda de quem?
AS – Tive as que descrevi, mas teria sido bem pior se não tivesse ficado no hospital durante a descida do leite. Infelizmente as mulheres saiem muito cedo da maternidade, estou em crer que seria bem melhor ficar até o leite estar a fluir normalmente, pelo menos 4 dias. Graças a Deus tive o apoio do meu marido, que constantemente reforçava a ideia de que eu iria ser capaz de ultrapassar cada obstáculo, e felizmente que tenho também amigas conselheiras de amamentação, para além de uma irmã que é enfermeira especialista em amamentação, que me trouxeram informação e conforto, que me ajudaram a acreditar que eu seria capaz de aprender a dar de mamar e a deixar que o meu filho também aprendesse a tirar o que precisava do meu peito. Amamentar é natural, mas não é inato. Deveria dar-se muito mais atenção a isto nas aulas de pré-parto em geral - aliás, se está grávida e ainda não fez a preparação, procure um curso que tenha em atenção a amamentação e suas dificuldades.



CS - Pensas amamentar até quando?

AS – Até deixar de ser um prazer, para mim ou para o Kyle. Quando não quiser mais, não quer, quando eu não quiser mais, acabou. Não tenho uma idade definida, na minha cabeça, será gradual, mas logo se verá. Agora, sei que se for só por vontade dele, vou sentir-me bastante...

CS - Vens de uma família com história de amamentação, tu própria foste amamentada até aos 5 anos. Consideras que isso contribuiu, de alguma forma, para a tua decisão de amamentar?

AS – Sem dúvida. O meu avô foi amamentado até aos 7 anos - havia até um famoso banquinho para dar de mamar ao rapaz - eu até aos 5, o meu irmão mais novo até aos 4. Curiosamente, os meus 3 irmãos mais velhos, que nasceram na civilizada África do Sul dos anos 60, mamaram pouco tempo, mas assim que a minha mãe foi para Moçambique, onde nascemos nós os mais novos, a duração da amamentação aumentou. Abençoada África! Estou em crer que a actual crise da amamentação tem uma das causas na falta de bons exemplos na família. Se juntarmos a isto uma excelente e eficaz campanha de desinformação por parte dos fabricantes e leite artificial, um Mundo em que as mulheres raramente podem deixar de trabalhar para estar com os filhos, acrescido de uma ideia estranha de que recuperar a amamentação é voltar atrás na emancipação feminina, e ainda uma classe médica mal-informada sobre este assunto... temos a receita para o desastre.

CS - No que respeita à atitude da nossa sociedade face à amamentação, qual a tua opinião?
AS – Bom, começou por se fazer supressão de leite ainda na maternidade (!) nos anos 70 - e temos sorte, porque nos EUA foi logo nos anos 50 - depois lá se deu uma abébia e disse-se que devia ser uns mesitos, e agora é conforme sopra o vento, ou as folhas do chá... é uma pena que pareça não haver rei nem roque nesta coisa do apoio à amamentação nos hospitais portugueses. Cometem-se autênticas barbaridades, e com uma grande impunidade. O marketing dos leites artificiais, por seu turno, está-se nas tintas para o código de ética da publicidade - até porque ele não é vinculativo - e continua a fazer crer que dar de mamar ou dar um leite artificial é praticamente igual. As diferenças, se fossem conhecidas pela população em geral, fariam empalidecer o mais acérrimo defensor leigo do aleitamento artificial. Digo leigo, porque médicos e enfermeiros têm obrigação de conhecer a verdade sobre estes produtos, mas parecem escolher ficar alheios, ou pura e simplesmente perpetuar uma quantidade de tretas que lhes venderam na faculdade nos anos 80. Claro, se os profissionais de saúde preferem ter a cabeça debaixo da areia ou assobiar para o lado, como é que o público em geral pode entender as diferenças? Aliás, mesmo os que as conhecem ficam frágeis quando, por exemplo, vão a uma pediatra que lhes diz que só se dá de mamar 15 minutos em cada mama, e com horário rígido, para a mãe não ficar escrava do bebé! Pode?? Isto é verídico, e fico tão furiosa que me apetece começar uma lista negra de pediatras, para evitar que muitos de nós dêmos dinheiro que custa a ganhar a gente que não se interessa pela saúde dos nossos filhos. Para responder directamente à pergunta, acho que de uma maneira geral as pessoas sabem que devem dar de mamar, mas encontram tanta ignorância e obstáculos, internos e externos, que se deixam convencer que tanto faz dar leite artificial ou leite humano...
CS - O que dirias a uma mulher que acabou de dar à luz, no que respeita a este grande tema que é a amamentação? Quais os conselhos que consideras mais valiosos?

 AS - Diria que espero que tenha tido tempo e informação útil antes do parto para aprender o mais possível sobre como e porque dar de mamar... mas se não o fez, respire fundo, acalme-se, centre-se bem no seu corpo e no seu desejo de dar o melhor que tem ao seu bebé. Tenha esse pensamento como linha condutora, e não os comentários da mãe, da vizinha ou da colega de trabalho. Acredite que você é capaz, e que é um investimento no seu bem-estar futuro e no do seu filho. Acredite que foi maravilhosamente feita também para dar vida, e que isto não acaba com o parto: no seu leite vão nutrientes, anti-corpos, um cocktail absolutamente inimitável, onde não falta amor como nunca o conheceu antes. Como substituir esse amor por gordura e açúcar, misturados com umas quantas vitaminas? Como substituir o seu peito por uma garrafa de plástico? Rodeie-se de quem apoia o seu sonho e deixe os outros de fora, crie uma bolha onde só cabem você, o seu filho e quem acredita consigo que vale a pena semear para colher. Ah, muito importante: FUJA de profissionais cheios de "nuncas" e de "jamais", porque fundamentalismos existem dos dois lados da barreira, e só ajudam a desvalorizar a sua individualidade. E por último, mas não menos importante, se se sentir esmorecer, se nada do que lhe dizem faz sentido, ligue para a SOS Amamentação, para a La Leche League, ou contacte no Facebook com grupos como o Mamar ao Peito, que estão sempre prontos a ajudar quem precisa. Mas tem de pedir... o isolamento é o seu maior inimigo.

1 comentário:

mariana disse...

Adorei! Mto informativo!

LinkWithin

Related Posts with Thumbnails