domingo, 31 de janeiro de 2010

Entrevista sobre Amamentação

Respondi a várias questões que a Sara, do portal DoBebé me colocou e que saíram agora na sua newsletter online num dossier, especial Amamentação. Espero que gostem e que seja útil.

Até quando deverá uma criança mamar?


De acordo com as directrizes da Organização Mundial de Saúde, os bebés devem ser amamentados em exclusivo (sem introdução de outros alimentos ou suplementos) até aos 6 meses de idade. Após a introdução dos sólidos a OMS recomenda que se continue a oferecer o peito até aos 2 anos ou mais.

Concorda com a amamentação tardia? (até aos 7 anos por exemplo?)

Noutras culturas, onde o marketing dos leites artificiais não chegou de forma tão agressiva e onde se manteve o hábito da amamentação inalterado, é vulgar muitas crianças mamarem até aos 5,6 ou 7 anos.
Também existem estudos antropológicos que apontam para que a idade natural do desmame na criança humana esteja entre os 2 e os 7 anos.
Penso que os motivos que levam actualmente as mães a desmamarem os bebés cedo prendem-se com factores culturais e pressões sociais.
No entanto, a amamentação deve acontecer até mãe e bebé quererem. Não existe uma data “certa” para o desmame.

Porque é importante o aleitamento materno exclusivo até os seis meses?

Há vários motivos:

Em primeiro lugar porque confere ao bebé uma maior protecção imunológica (a protecção mantém-se por todo o tempo que durar amamentação mas tem mais efeitos enquanto for exclusiva).
Porque se estima que 6 meses é o tempo que o sistema digestivo do bebé necessita para amadurecer completamente e poder tolerar outros alimentos, evitando desta forma reacções, tais como gases, obstipação e outros problemas digestivos.
Até mesmo ao nível do desenvolvimento motor, um bebé de 6 meses já conseguirá mostrar que está preparado para receber outros alimentos, sendo capaz de sentar-se melhor, recusando quando não quer mais alimento e agarrando a comida com as próprias mãos para levar à boca.
Amamentar em exclusivo até aos 6 meses também diminui os riscos de reações alérgicas aos alimentos e de eventuais carências de ferro.
Por outro lado, amamentar em exclusivo até aos 6 meses garante uma boa produção de leite na mãe durante mais tempo.

Quais são as dúvidas mais frequentes das mães em relação à amamentação?

No início da amamentação as dúvidas prendem-se principalmente com a pega (posição do bebé ao agarrar a mama) visto que muitas das dificuldades iniciais surge relacionada com este factor.
Também existem muitas dúvidas quanto à quantidade de leite materno ingerido e se é suficiente. É comum haver alguma insegurança das mães quanto a este tema.

Ainda existem muitos mitos e tabus em relação a dar de mamar?

Sim, bastantes. Por exemplo, é muito frequente as recém-mamãs restringirem (por vezes de forma bastante rigorosa) a sua dieta com receio de que este ou aquele alimento possam fazer mal ou causar cólicas ao bebé. Este é apenas um dos exemplos com que mais me deparo mas existem muitos mais...(1)

Apesar dos tabus não serem falados com tanta abertura, sabemos que ainda há muitas mães com “vergonha” de amamentar em público (precisamente porque na nossa sociedade as pessoas se habituaram a ver biberões e ainda se associa a mama apenas à sua função sexual). Por outro lado, algumas mães sentem constrangimentos na altura de reiniciar a vida sexual com os seus companheiros, precisamente por terem que conciliar o peito, que agora serve de alimento para o seu bebé, com a função sexual. Nestes casos, a forma como o companheiro encara (ou não) a amamentação com naturalidade pode ter um peso muito grande.

O leite fraco é mais um mito?

Sem dúvida.
Actualmente podemos afirmar com certeza que não existem leites fracos. A composição do leite materno tem exactamente todos os nutrientes que o bebé precisa (pelo menos até aos 6 meses) bem como diversos tipos de anti-corpos que lhe conferem protecção extra. Seria preciso que uma mulher estivesse gravemente desnutrida ou desidratada para que a composição do leite materno se alterasse.

Existem formas correctas de amamentação?

Existe uma forma correcta para o bebé fazer a pega no peito.
O bebé deve abocanhar a maioria da aréola (zona escura que envolve o mamilo) e não apenas o mamilo e deve estar bem junto à mãe, virado para ela, barriga com barriga.
Para estimular o bebé a abrir bem a boca, pode tocar com o mamilo no seu lábio superior. O bebé começará então a abrir a boca “procurando” o peito. Quando a mãe vir que ele abre bem a boca deve introduzir a mama, “apontando” o mamilo na direcção do palato (céu da boca) do bebé.
Quando o bebé estiver a fazer uma pega correcta terá a boca bem aberta, abocanhando a maioria da aréola, enrolando o lábio inferior para trás, o queixo e o nariz do bebé tocam na mama, o bebé enche as bochechas de leite, é possível ouvi-lo a engolir e a mãe não deverá sentir dor.(3)
Quanto à posição em si (deitada, sentada) aí já não existem regras. O mais importante é que a mãe se sinta confortável e mantenha uma boa postura, de forma a evitar dores nas costas, por exemplo.

Como sabe uma mãe que o seu bebé está saciado?

Em primeiro lugar, a mãe pode cumprir dois princípios que vão reduzir drasticamente as probabilidades do bebé não estar a receber leite suficiente:

- Amamentar “a pedido”, ou seja, aprender a reconhecer os sinais de fome do bebé:
Levar as mãos à boca para sugar, virar a cabeça para mamar quando está ao colo, fazendo movimentos de sucção com a língua, ou virar-se para mamar quando lhe passamos o dedo na cara. A mãe que amamenta também sentirá que é altura de alimentar o seu bebé quando sente o peito “cheio”. Não devemos deixar o bebé chorar para mostrar que tem fome. O choro é o seu último recurso e significa que estava com fome há algum tempo.
Até sabermos que o bebé recuperou o peso do nascimento devemos evitar deixá-lo fazer intervalos entre mamadas maiores que 3 horas, durante o dia, ou 5/6 horas, durante a noite (caso esteja a dormir) (2). Em 24 horas, um recém-nascido deve mamar, pelo menos, 8 a 12 vezes.
Lembre-se que a produção de leite se baseia na “lei da oferta e da procura”. Quanto mais der de mamar, mais leite vai produzir.
-Certificar-se que o bebé faz uma pega correcta (ver em cima como)

Conseguindo cumprir estes dois princípios é muito provável que o bebé vá receber leite suficiente. No entanto devemos observar outros factores:
-O bebé molha várias fraldas por dia, a urina é incolor e inodora
-O bebé parece bem disposto, saudável e atento na maioria do tempo
-O bebé aumenta de peso: durante a primeira semana de vida, o bebé pode perder até 10% do seu peso inicial, entre a 2ª e a 3ª semana recupera o peso com que nasceu e até aos 3/4 meses deve aumentar entre 115 a 230 gr/semana.

Qual a importância do incentivo da amamentação?

Hoje em dia, por vários motivos, perdeu-se o hábito da transmissão da cultura de amamentação dentro das famílias (sobretudo de mãe para filha). Assim sendo, o incentivo terá, muitas vezes que vir do exterior, dos profissionais que lidam com o aleitamento materno.
Sabendo que muitas das mães abandonam a amamentação simplesmente porque acreditam que o seu leite não é suficiente para satisfazer o seu bebé ou não tem qualidade, penso que é fundamental incentivar e informar!
A maioria das mães deseja amamentar apenas porque sente que é a forma natural de alimentar o seu bebé mas também é importante difundir os benefícios que o aleitamento materno pode trazer para o bebé, para a mãe e até para a economia da família (bem como do próprio planeta).
Hoje em dia sabe-se que uma das formas mais eficazes que poderia haver para reduzir a mortalidade infantil mundialmente seria o aumento das taxas de aleitamento materno.

Os bancos de leite são importantes?

São importantíssimos na medida em que podem salvar vidas!
Os bancos de leite destinam-se essencialmente a bebés prematuros, de baixo peso ou com problemas de saúde, e que, por vários motivos não têm leite das suas própias mães ou têm mas não em quantidade suficiente.

Todas as mães têm capacidade de produzir todo o leite que o Bebé precisa?

Podemos dizer que a esmagadora maioria das mães tem capacidade de produzir todo o leite que o seu bebé (ou bebés) precisa(m).

Como podemos identificar as mulheres que não produzem o leite necessário por algum problema de saúde?

Há certos problemas de saúde (ou até mesmo alguns medicamentos) que podem ser logo identificados como podendo interferir na produção de leite. Contudo, alguns podem ser corrigidos ou eliminados.
No entanto, na maioria dos casos, quando identificamos que uma mãe está a produzir leite em quantidade insuficiente para o seu bebé, devemos dar-lhe as indicações apropriadas no sentido de aumentar a produção de leite. Se, mesmo seguindo à risca todas as indicações e tendo acompanhamento durante algum tempo, a mulher não conseguir aumentar a produção de leite, só então devemos começar a despistar outras hipóteses (estes serão casos bastante excepcionais).

Acredita que as cirurgias para a redução da mama interferem na amamentação? E a colocação de silicone?

As cirurgias de redução mamária podem interferir com amamentação, ainda que hoje em dia, segundo os especialistas, já existam novas técnicas de redução mamária que permitem que a mulher possa amamentar.
Quanto aos implantes de silicone, em princípio não devem ter interferência na amamentação.

Como podem continuar a amamentar depois do fim da licença de maternidade?

A mãe poderá extraír leite no local de trabalho, durante as horas em que está ausente, desta forma o leite retirado poderá servir de refeição do bebé nas horas em que a mãe está a trabalhar. Por outro lado, as extracções também lhe permitirão manter uma boa produção de leite e evitar engurgitamentos mamários (excesso de leite retido na mama, pelo facto de estar afastada do bebé).
Quando estão em casa devem seguir os mesmos princípios da amamentação “a pedido” de que já falámos e lembrar-se que até ao 1º ano de vida o leite é o princípal alimento da dieta do bebé, os outros alimentos são complementares. Podem e devem oferecer o peito antes das refeições sólidas do bebé e aumentar a frequência das mamadas nos dias de folga.

E como podem aprender a realizar a retirada de seu próprio leite?

As mães podem usar bombas de extracção, eléctricas ou manuais (que são vendidas ou alugadas) ou podem aprender a extraír o seu leite manualmente.
Existem diversas maneiras da mãe aprender as técnicas de extracção e conservação de leite materno.
Pode pedir a ajuda de uma conselheira em aleitamento materno, consultar manuais de amamentação(4) e páginas de aleitamento materno disponíveis na internet (5)). Também já existem várias formações sobre amamentação(6) disponíveis para mães nas quais podem aprender sobre este e outros temas.

Tem dados de outros países?

Em relação às taxas de amamentação em Portugal, temos um estudo de 2007, efectuado na região de Lisboa que nos revela que à saída da maternidade, 91% das puérperas amamentavam o seu filho (77,7% em exclusividade) tendo esta percentagem diminuído para 54,7% aos três meses e 34,1% aos seis meses.

Temos ainda outro estudo elaborado através de inquéritos nacionais de saúde que nos permite ver a evolução da duração do aleitamento materno nas várias regiões de Portugal aqui: http://www.amamentar.net/Not%C3%ADcias/tabid/150/articleType/ArticleView/articleId/3/Default.aspx

A Direcção-Geral da Saúde vai arrancar em 2010 com o Observatório do Aleitamento Materno, o que vai permitir recolher dados mais precisos.

Quanto aos outros países temos uma lista com taxas de amamentação a nível mundial disponível na página da Unicef, que se pode consultar aqui: http://www.childinfo.org/breastfeeding_countrydata.php

A mulher que amamenta também tem algum benefício?

Os benefícios são vários para as mães que amamentam:

Amamentar promove uma recuperação mais rápida da mãe no pós-parto (o útero é estimulado a regressar mais rapidamente ao seu tamanho e localização original; a mãe que amamenta gasta mais calorias, sendo mais fácil regressar à sua forma).
Amamentar diminui o risco de certas doenças na mãe (cancro da mama, cancro do ovário, osteoporose, doenças cardíacas, diabetes, artrite reumatóide).
Aumenta a auto-confiança da mãe e o seu bem estar psicológico, diminuindo o risco de depressão pós-parto e promovendo o vínculo emocional com o bebé.
É práctico (está sempre “à mão” e na temperatura certa) e económico (poupa o dinheiro dos leites artificiais, dos biberons, tetinas e outros acessórios, bem como todo o trabalho exigido na sua preparação, limpeza e esterlização).
Amamentar pode ainda poupar gastos e preocupações médicas ao diminuir o risco de algumas doenças, tanto na mãe como no bebé.

Amamentar é responsabilidade só da mãe?

Na verdade a amamentação deve ser uma resposabilidade de toda a sociedade.
A grande responsabilidade da mãe reside na escolha em amamentar. Depois, o companheiro, a família e toda a rede social à volta da mulher tem uma grande importância (no sentido de dar apoio, encorajar, transmitir confiança).
Os profissionais de saúde têm a responsabilidade de saber, além de encorajar e apoiar, orientar a mulher da melhor forma possível nas dificuldades que possam, eventualmente, surgir.
As empresas têm a responsabilidade de dar todo o apoio necessário para que as mães possam continuar a amamentar após o regresso ao trabalho (respeitando a lei da dispensa para amamentação, criando condições para que as mães possam extraír leite sem constrangimentos no local de trabalho e abolindo quaisquer pressões para que a mãe se sinta “forçada” a prescindir dos seus direitos).
Por último, o governo também tem uma grande responsabilidade na medida em que deve implementar e fazer cumprir as leis que dão estes direitos às mães lactantes.

Sofia Carvalho
Doula, Educadora Perinatal e Conselheira em Aleitamento Materno OMS/Unicef

(1) http://aquihabebe.blogspot.com/2008/01/mitos-sobre-aleitamento-materno.html
(2) O pediatra poderá dar indicações diferentes no caso de bebés nascidos com baixo peso ou prematuros.
(3) http://www.leitematerno.org/posicao.htm
(4) http://www.unicef.pt/docs/manual_aleitamento.pdf
(5) http://www.amamentar.net/M%C3%A3esPais/Aspectospr%C3%A1ticosdoaleitamentomaterno/Extrairconservaretransportaroleitematerno/tabid/173/Default.aspx
(6) http://www.sosamamentacao.org.pt/Amamenta%C3%A7%C3%A3o/Artigos/tabid/182/ctl/Details/mid/512/ItemID/127/Default.aspx

2 comentários:

Dani disse...

Infelizmente tive de deixar de amamentar muito cedo e a Mafalda começou a ter cólicas pouco tempo depois. Não sei se houve alguma relação directa, com o conselho da pediatra passamos a usar o Aero OM e as cólicas desapareceram. Mas tenho muita pena não ter conseguido amamentar até mais tarde.

Anónimo disse...

Bom Despacho, e este post me ajudou muito no meu trabalho da universidade. Agradecimentos você como suas informações.

LinkWithin

Related Posts with Thumbnails